Artistas considerados bregas — como Odair José e Waldik Soriano — sempre apareceram no topo da lista de mais vendidos. Veiculados nas rádios, freqüentavam os programas de auditório, mas não receberam o devido respeito e espaço em livros e teses, pois freqüentemente eram associados à ditadura militar. Em EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO, o historiador Paulo César de Araújo preenche essa lacuna na historiografia da música popular brasileira e mostra como as figuras mais demonizadas por aderirem à cultura oficial durante os anos de chumbo, na verdade, foram tão ou mais perseguidas pelo regime quanto os artistas de esquerda. “A produção musical brega (ou cafona) faz parte da realidade cultural brasileira, tanto quanto o tropicalismo e a bossa nova e merece ser analisada”, argumenta o autor. EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO aborda três aspectos do papel de resistência desempenhado por esses artistas. Em primeiro lugar, Paulo César de Araújo analisa como muitas das letras trazem a denúncia ao autoritarismo e à segregação social. A música O divórcio, de Luiz Ayrão, por exemplo, — que, a princípio, se chamava Treze anos — pode ser lida tanto como um desabafo de um homem infeliz quanto como um basta ao regime militar. O autor compara a produção musical dentro do contexto histórico, dando especial atenção ao AI5. Paulo lembra, também, que a maioria desses cantores vivenciou o trabalho infantil: Nelson Ned e Agnaldo Timóteo foram engraxates. Paulo Sérgio, alfaiate. O livro traz, ainda, diversas curiosidades do universo musical cafona. São histórias que só agora chegam a público. Como a vez em que Odair José teve a música A primeira noite — que fala da primeira experiência sexual de um garoto — censurada e, para escapar ao veto, apenas trocou o título. Noite de desejos passou incólome pelas autoridades. Aliás, Odair José era campeão de vetos da censura federal. Sua música Pare de tomar a pílula foi proibida de ser executada nas rádios brasileiras e em toda a América latina. Mas ele não foi o único. Fernando Mendes teve seu Tributo a Carlinhos (o menino Carlinhos desapareceu sem deixar traços na década de 1960, num caso policial célebre e não resolvido até hoje) proibido já que poderia ser interpretado como referência aos presos políticos. Máximas de Waldik Soriano — A mulher é como a música. A música serve para limpar a alma, a mulher para limpar a casa — também estão presentes em EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO. Assim como situações que beiram a tragicomicidade: Nelson Ned passava por baixo da roleta de ônibus por não ter dinheiro para pagar a passagem. “Isso não era difícil para mim”, brinca o cantor. Essas histórias resgatam artistas que, entre as décadas de 1968 e 1978, se destacaram no cenário artístico nacional. “Embora esquecida, nossa música popular cafona permanece guardada em estruturas de comunicação informais”, explica Paulo César. Atire a primeira pedra quem nunca cantarolou uma letra de música popular cafona. Apesar de gosto duvidoso, as melodias fazem parte do patrimônio afetivo de milhares de brasileiros. Músicas como Eu não sou cachorro, não, Pare de tomar a pílula e Cadeira de rodas fazem parte do repertório de um Brasil dos excluídos, um país mergulhado na ditadura militar e sacudido tanto por marchas moralistas de apoio à família, à propriedade e à Igreja quanto pela guerrilha urbana. Paulo César de Araújo, baiano de Vitória da Conquista, é jornalista, historiador e mestre em Memória Social. Trabalha como professor de História no ensino fundamental e médio da rede pública do Estado do Rio de Janeiro.
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Autor |
Paulo Cesar Araujo |
Editora |
RECORD |
Idioma |
PORTUGUÊS |
Encadernação |
Brochura |
Páginas |
448 |
Ano de edição |
2002 |
Número de edição |
9 |