O enfraquecimento da crítica sistêmica da esquerda é hoje uma das principais fragilidades da luta contra o avanço do conservadorismo, do autoritarismo, do racismo, da xenofobia, da intolerância e do neofascismo. Valorizar horizontes utópicos de outras formas sociais não é irrealismo ou expressão de impotência política: é resgatar bússolas indispensáveis para direcionar e estimular lutas antigas e novas. No Brasil de Bolsonaro, o debate sobre Bem Viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da Mãe Terra e desglobalização, proposto neste livro, oferece oxigênio para uma esquerda que precisa se revigorar, e, principalmente, se reinventar. **** Este livro parte da premissa de que estamos vivendo uma crise sistêmica que só pode ser resolvida com alternativas sistêmicas. As crises ambiental, econômica, social, geopolítica, institucional e civilizatória são partes de um todo. É impossível resolver qualquer uma delas sem abordar conjuntamente as demais. Elas se retroalimentam. Por isso, estratégias unidimensionais não conseguirão resolver essa crise sistêmica. Pelo contrário, podem agravá-la. Longe de se autoimplodir pelas próprias contradições, o capitalismo está se reconfigurando à procura de novos mecanismos para aumentar suas taxas de lucro, até extrair a última gota de sangue das pessoas e do planeta. Tudo é mercantilizável. Tudo é uma "oportunidade" para novos negócios. Não há limites. A superexploração, o hiperconsumo e o desperdício são os motores desse sistema, que exige crescimento infinito de um planeta finito. O aumento da desigualdade e a destruição dos ciclos vitais da natureza são seu legado. No entanto, o capitalismo não é o único elemento que levou a essa crise sistêmica. O produtivismo e o extrativismo que a ele deram origem — e que sobreviveram inclusive em economias que queriam superar o capitalismo — são dois fatores-chave. A ideia de uma sociedade florescente, baseada em um contínuo crescimento econômico, levou a romper com o equilíbrio climático alcançado pela Terra há onze mil anos. A isso temos de somar as estruturas e a cultura patriarcal, que sobrevive há séculos e que alimenta diferentes formas de concentração e exercício do poder em benefício de elites privadas, tanto no espaço público como no privado. O capitalismo não criou o patriarcado, mas o acentuou de uma forma particular ao invisibilizar o trabalho reprodutivo e de cuidado que as mulheres e outros grupos humanos desenvolvem em espaços não mercantilizados. Por último, a visão antropocêntrica dominante considera o ser humano como superior, separado da natureza e acima dela. Assim como o patriarcado considera a mulher um objeto, o antropocentrismo considera que a natureza pode ser explorada e transformada em benefício humano. Essa visão de mundo, que já existia em sociedades pré-capitalistas, cresceu exponencialmente com a revolução industrial e os avanços da tecnologia. Portanto, quando falamos em construir alternativas sistêmicas, estamos nos referindo não apenas à superação do capitalismo, mas a estratégias que sejam capazes de enfrentar e superar o patriarcado, o produtivismo-extrativismo e o antropocentrismo. Essas alternativas não surgem no vazio. Emergem de lutas, experiências, iniciativas, vitórias, derrotas e do ressurgimento dos movimentos sociais, e aparecem em um processo muitas vezes contraditório de análises, prática e propostas que são validadas na realidade. A diversidade de realidades que interagem em nosso planeta requer alternativas sistêmicas diversas. Por isso é que falamos em "alternativas", no plural, e que o objetivo deste livro reside em promover um diálogo construtivo e criativo entre essas diferentes visões.