Meu encontro com a pesquisa realizada por Laura Paixão, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, é marcado por momentos de grande admiração pelo trabalho realizado por essa professora da rede municipal de ensino da prefeitura de Vitória. Trata-se de um estudo, disponibilizado agora em forma de livro, de leitura obrigatória para todos aqueles professores, pais, lideranças de base da sociedade civil, administradores públicos, dentre outros que lutam no Brasil por uma educação escolar dialógica intercultural. Conheço o compromisso profissional de Laura e seu engajamento em favor de políticas públicas ampliadoras de leitura e escrita que sejam capazes de considerar o processo de alfabetização como uma dimensão articuladora da formação de sujeitos leitores e produtores de textos que abarca pelo menos a duração de todo o ensino fundamental. Inconformada com a concepção tradicional de alfabetização, que na visão oficial enquadra e reduz a prática da leitura à ação mecânica de decodificação de letras e fonemas (quando muito de palavras e sentenças) aos anos iniciais da escolarização, defende a dialética do ato de ler/escrever e de aprender a ler/escrever como processos de ação-reflexão-ação cultural que têm uma duração muito maior do que a escola foi capaz de produzir ao longo do tempo. A autora diz, apoiando-se em Bakhtin: "Problematizamos aqui o distanciamento dos professores de 4º e 5º anos do EF dos investimentos de formação inicial e em serviço, assim como das discussões que visam ao processo de alfabetização concebido como apropriação de leitura e escrita, direcionados às professoras que atuam junto ao 1º, 2º e 3º anos EF, uma vez que tal período escolar não é suficiente para se consolidarem tantos e tão importantes objetivos, pois o estudo da língua é ‘[...] um processo ininterrupto constituído por interações verbais e sociais dos locutores’" (BAKHTIN). A leitura do mundo e a produção textual implicam, nesse sentido, currículos centrados na leitura para a formação de sujeitos que se articulam para problematizar a hegemonia burguesa e construir de forma coletiva um mundo de direitos sociais para todos. Este livro é uma clara advertência e ao mesmo tempo uma denúncia. Provoca o leitor para conhecer a realidade educacional que nos cerca, porque precisamos observar melhor aquilo que nos rodeia, em especial, aquilo que nos parece mais banal, familiar demais. é preciso problematizar aquilo que parece natural aos olhos menos avisados. Ensinar a ler e escrever é um exemplo desses nossos atos que costumam ser naturalizados, banalizados, ainda mais no contexto político atual, em que a maioria das crianças, dos adolescentes e jovens passam pela escola: organização universalmente destinada ao ensino desses saberes indispensáveis ao campo da educação e da cultura, organizados a partir de disciplinas e áreas especializadas que, apesar de tão desvalorizadas na atualidade, são bases epistemológicas importantes, a principal mola propulsora para a nossa humanização e formação intelectual. Ensinar a ler e a escrever deve ser o centro de todas as proposições pedagógicas e políticas para aqueles que defendem a qualidade da universalização da educação pública. Devido a isso, refletir sobre como tem se dado esse ensino no Brasil, tema central deste livro, não é uma questão banal. Muito pelo contrário, essa temática deve estar cada vez mais presente no debate acerca das finalidades culturais da escola e da educação como direito social. Assim sendo, dentre as mais variadas contribuições desta obra, vale destacar aqui o lugar que esta publicação vem a ocupar no espaço da pesquisa na área da Alfabetização e da Educação no Brasil, mais especificamente junto a turmas do 4º e do 5º anos do ensino fundamental, temática pouco pesquisada quando se trata do ensino de leitura e escrita. Os diversos estudos realizados aqui por Laura Paixão evidenciam pesquisas desenvolvidas sobre o tema no Espírito Santo, polêmicas em torno de como o ensino de leitura e escrita tem se dado nas salas de aula, assim como as políticas públicas que vêm gerando tais práticas docentes, dando destaque às tensões políticas e pedagógicas que provocaram (des)encontros e (des)continuidades ao longo do tempo, aproximando o leitor das tematizações, concretizações e normatizações que se fizeram presentes no debate sobre a alfabetização no país e no município de Vitória (ES). O encadeamento orgânico dos estudos compreendidos neste livro não decorre apenas da temática, cujo ineditismo é inegável. Ressalta o diálogo interdisciplinar entre Educação e Letras, o diálogo entre os mais diversos profissionais da educação envolvidos nesse processo, possibilitando o acúmulo significativo de referências bibliográficas sobre o tema, o que permite acelerar o processo de pesquisa por meio da democratização de informações especializadas que auxiliam outros pesquisadores e fertilizam novas investigações. De modo especial, vale mencionar a importância dos sujeitos educacionais retratados neste livro, tais como Paulo Freire, Mikhail Bakhtin, Sírio Possenti, João Wanderley Geraldi, Erineu Foerste, Cláudia Gontijo, dentre outros nomes tão conhecidos quando se fala não só sobre o ensino da leitura e da escrita, mas também sobre os problemas políticos da educação e da formação do cidadão na sociedade brasileira, atestando a indissociabilidade entre docência, reflexão crítica, posicionamento político e exposição pública de ideais e concepções. Portanto, este livro merece uma leitura atenta por parte de todos os que se interessam pelos desafios de ensinar a ler e escrever, discussão primordial no campo da educação e da cultura, não apenas em contextos capixabas, mas para os leitores que se identificam com as lutas pela construção de uma escola pública de qualidade para todos.